A BAIANIZAÇÃO DO NEGRO GOIANO: FUNDAMENTOS HISTÓRICOS NA DIÁSPORA BANTO EM GOIÁS (SÉCULOS XVIII–XIX) E AS RECONSTRUÇÕES IDENTITÁRIAS DO SÉCULO XX

Autores

  • Robson de Sousa Moraes Autor
  • Daniela Martins Botelho Autor

DOI:

https://doi.org/10.63330/armv1n9-017

Palavras-chave:

Banto, Nagô/Iorubá, Identidade Negra Goiana

Resumo

O ensaio examina, em perspectiva histórica e antropológica, a hipótese da baianização do negro goiano, entendida como o predomínio contemporâneo de referências afro-baianas de matriz iorubá na construção da identidade negra em Goiás, em contraste com a composição histórica majoritariamente banto da diáspora africana no estado. A partir de fontes documentais amplamente analisadas por Mary Karasch e Maria Lemke Loiola — inventários post mortem, listas de batismo, registros de compra e venda de escravizados, documentação eclesiástica e irmandades do Rosário — demonstra-se que, entre os séculos XVIII e XIX, a presença africana em Goiás foi fundamentalmente centro-africana, vinculada às sociedades do antigo Congo, Angola e Benguela. Práticas culturais como congadas, moçambiques, rituais devocionais e formas comunitárias de sociabilidade estruturaram a vida negra local.

No entanto, ao longo do século XX, processos de urbanização, políticas de embranquecimento cultural, mudanças litúrgicas e apagamentos institucionais enfraqueceram a transmissão dessas tradições banto, produzindo um vazio simbólico. Nesse contexto, repertórios afro-baianos — difundidos pelo candomblé nagô, pela estética dos orixás, pelos blocos afro e pela indústria cultural — tornaram-se referências hegemônicas de negritude, especialmente entre movimentos negros urbanos e terreiros formados em redes baianas. O artigo propõe a categoria “baianização” para descrever esse deslocamento simbólico, entendendo-o não como deslegitimação das práticas contemporâneas, mas como chave analítica para compreender a sobreposição de camadas identitárias, as disputas de memória e a coexistência entre matriz histórica banto e matriz simbólica iorubá. Conclui-se que a identidade negra goiana é plural, construída por camadas históricas e políticas que se articulam, tensionam e se reinventam continuamente.

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Publicado

2025-11-19

Como Citar

A BAIANIZAÇÃO DO NEGRO GOIANO: FUNDAMENTOS HISTÓRICOS NA DIÁSPORA BANTO EM GOIÁS (SÉCULOS XVIII–XIX) E AS RECONSTRUÇÕES IDENTITÁRIAS DO SÉCULO XX. (2025). Aurum Revista Multidisciplinar, 1(9), 194-212. https://doi.org/10.63330/armv1n9-017