HERESIAS NA INQUISIÇÃO: TRANSGRESSÃO FEMININA, FEITIÇARIA E PODER NO IMAGINÁRIO RELIGIOSO
DOI:
https://doi.org/10.63330/armv1n4-008Palavras-chave:
Feitiçaria, Inquisição, Liminalidade, Violência simbólica, Subversão femininaResumo
Este artigo analisa a feitiçaria como mecanismo simbólico de controle no sistema inquisitorial português, com foco na experiência feminina e nas representações do corpo herético. A partir de casos como o de Úrsula Maria, condenada por rituais demoníacos, discute-se como o discurso inquisitorial transformava práticas populares em heresias percebidas como ameaças à ordem sagrada e política. A feitiçaria é interpretada como transgressão ontológica e profanação da latria (o culto exclusivo a Deus) constituindo um crime de lesa-majestade divina. Articulam-se os conceitos de liminaridade e communitas, de Victor Turner, para compreender essas mulheres como figuras liminares, suspensas entre mundos. Acusadas e excluídas, habitavam zonas simbólicas ambíguas, onde vínculos coletivos e cerimoniais partilhados, embora reprimidos, possibilitavam experiências de resistência e pertencimento. O tribunal inquisitorial funcionava como sacerdote e juiz, restaurando o sagrado violado e impondo sentidos legítimos da fé. Assim, a ação do Santo Ofício é lida como forma de violência simbólica (Bourdieu), que impunha uma visão de mundo por meio da classificação, da exclusão e da estigmatização. A análise do discurso e das práticas inquisitoriais revela como o poder operava por meio do controle da linguagem, da memória e do imaginário coletivo.
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